Carter
Ser comido por um crocodilo gigante
era ruim o suficiente.
O garoto com a espada brilhando só
deixou o meu dia pior.
Talvez eu deva me apresentar.
Sou Carter Kane – meio período
calouro do ensino médio, meio período mago, preocupado em tempo integral com
todos os deuses egípcios e monstros que estão constantemente tentando me matar.
Tudo bem, essa última parte é um
exagero. Nem todos os deuses querem me matar. Só muitos deles – mas isso meio
que faz sentido, desde que eu sou um mago na Casa da Vida. Nós somos tipo a
polícia para as forças sobrenaturais do Egito Antigo, garantindo que eles não
causem muita destruição no mundo moderno.
De qualquer forma, nesse dia em
particular eu estava caçando um monstro trapaceiro em Long Island. Nossos
videntes tem pressentido uma perturbação mágica na área há várias semanas.
Então as notícias locais começaram a reportar que uma grande criatura tinha
sido avistada em lagoas e pântanos perto da Montauk Highway – uma criatura que
estava comendo animais e plantas selvagens e assustando os cidadãos locais. Um
repórter até o chamou de O Monstro do Pântano de Long Island. Quando mortais
começam a dar alarme, você sabe que é hora de checar as coisas.
Normalmente a minha irmã, Sadie, ou
alguns outros dos nossos iniciados da Casa do Brooklyn teriam vindo comigo. Mas
todos eles foram para o Primeiro Nomo no Egito para uma semana inteira de
sessões de treinamento sobre controle de demônios de queijo (sim, eles são
reais – acredite em mim, você não quer saber), então eu estava por minha conta.
Eu havia engatado a haste do nosso
barco voador em Freak, meu grifo de estimação, e nós passamos a manhã zumbindo
pelo litoral sul, procurando por sinais de problemas. Se você está se
perguntando por que eu não ando nas costas do Freak, imagine duas asas no
estilo beija-flor batendo mais rápido e mais potente do que as lâminas de um
helicóptero. A não ser que você queira ser fatiado, é melhor andar no barco.
Freak tinha um faro muito bom pra
magia. Depois de umas duas horas de patrulha, ele guinchou “FREEEEEEK!” e deu uma guinada para a esquerda,
circulando sobre uma entrada verde pantanosa entre dois bairros.
— Lá em baixo? — perguntei.
Freak estremeceu e grasnou,
chicoteando sua cauda farpada nervosamente.
Eu não podia ver muita coisa abaixo
de nós – só um rio turvo reluzindo no ar quente de verão, retorcendo por entre
grama do pântano e aglomerados de árvores retorcidas até que desaguava na
Moriches Bay. A área parecia um pouco com o Delta do Nilo lá no Egito, exceto
que aqui o pantanal era rodeado de ambos os lados por bairros residenciais com
fileiras atrás de fileiras de casas com telhados cinzentos. No norte, uma linha
de carros avançava através da Montauk Highway – pessoas de férias escapando da
cidade apinhada para aproveitar a apinhada Hamptons.
Se tivesse mesmo um monstro do
pântano carnívoro abaixo de nós, eu me perguntava quanto tempo ele levaria
antes de desenvolver o gosto por carne humana. Se isso acontecesse... bem,
estava rodeado por um Buffet bem farto.
— Tudo bem — eu disse para Freak —
Desça-me para a margem do rio.
Logo que eu pus o pé para fora do
barco, Freak guinchou e zumbiu pelo céu, arrastando o barco com ele.
— Hey! — gritei pra ele, mas era
tarde demais.
Freak se assusta facilmente. Monstros
carnívoros tendem a afugentá-lo. Assim como fogos de artifício, palhaços e o
cheiro da estranha bebida da Sadie, British Ribena (Não posso culpá-lo por esse
último. Sadie foi criada em Londres e desenvolveu alguns gostos muito
estranhos).
Eu teria que cuidar desse monstro, e
depois assoviar para Freak me buscar quando estivesse acabado.
Abri minha mochila e chequei meus
suprimentos: um pouco de corda encantada, minha varinha curvada de mármore, um
bocado de cera para fazer estatuetas shabti mágicas, meu kit de caligrafia e uma poção de cura que minha amiga
Jaz fabricou para mim há algum tempo. (Ela sabe que eu tenho a tendência de me
machucar).
Só tinha mais uma coisa que eu
precisava.
Eu me concentrei e estendi a mão para
dentro do Duat. Nos últimos meses, eu fiquei bom em estocar provisões de
emergência no reino das sombras – armas extras, roupas limpas,Fruit by the
Foot e um engradado
gelado de root beer – mas colocar minha mão dentro da uma dimensão mágica ainda era
estranho, como empurrar através de várias pesadas e frias camadas cortinadas.
Eu fechei meus dedos em volta do punho da minha espada e a puxei para fora – um khopesh pesado com uma lâmina curvada como um
ponto de interrogação. Armado com minhas espada e varinha, eu estava pronto
para dar um passeio pelo pântano em busca de um monstro faminto. Que alegria!
Entrei na água e imediatamente
afundei até os joelhos. O fundo do rio parecia feito de ensopado congelado. A
cada passo, meus sapatos faziam sons grosseiros – suck-plop, suck-plop – e eu estava contente que Sadie não
estava comigo. Ela nunca pararia de rir.
Pior ainda, fazendo tanto barulho
desse jeito, eu sabia que não seria capaz de me esgueirar sorrateiramente atrás
de nenhum monstro.
Mosquitos estavam me atacando. De
repente eu me senti nervoso e solitário.
Poderia ser pior, eu disse a mim mesmo. Eu poderia estar estudando demônios de queijo.
Mas não consegui me convencer. Num
bairro ali por perto, eu ouvi crianças gritando e rindo, provavelmente
brincando algum jogo. Eu me perguntei como seria isso – ser uma criança normal,
de bobeira com os amigos numa tarde de verão.
A ideia era tão boa que eu me
distraí. Não notei as ondulações na água até que há uns quarenta e cinco metros
a minha frente alguma coisa subiu à superfície – uma linha de calombos de couro
preto esverdeado. Submergiu instantaneamente de novo, mas eu sabia com o que eu
estava lidando agora. Eu tinha visto crocodilos antes, e esse era um
assustadoramente grande. Lembrei-me de El Paso, no inverno retrasado, quando eu
e minha irmã havíamos sido atacados pelo deus crocodilo Sobek. Não era uma boa
memória.
O suor escorria pelo meu pescoço.
— Sobek — murmurei — se isso foi
você, brincando comigo de novo, eu juro por Rá...
O deus crocodilo havia prometido nos
deixar em paz agora que estávamos juntos com seu chefe, o deus sol. Ainda
assim... crocodilos ficam com fome. E então, eles tendem a esquecer suas
promessas.
Nenhuma resposta da água. A ondulação
diminuiu.
Quando se trata de sentir monstros,
meus instintos mágicos não são muito afiados, mas a água na minha frente
parecia muito mais escura. Isso significava que ou era profunda, ou algo grande
estava escondido sob a superfície.
Eu quase esperava que fosse Sobek.
Pelo menos, então eu tinha uma chance de falar antes de ele me matar. Sobek
gostava de se vangloriar.
Infelizmente, não era ele.
O próximo microssegundo, enquanto a
água entrava em erupção em torno de mim, percebi tardiamente que eu deveria ter
trazido todo o Vigésimo Primeiro Nomo todo para me ajudar. Eu registrei olhos
amarelos brilhantes tão grandes quanto a minha cabeça, o brilho de joias de
ouro em volta de um pescoço enorme. Então mandíbulas monstruosas abriram –
cumes de dentes tortos e uma extensa área rosada da boca, grande o suficiente
para engolir por um caminhão de lixo.
E a criatura me engoliu inteiro.
Imagine ser empacotado à vácuo de
cabeça para baixo dentro de um gigantesco e viscoso saco de lixo. Estar na
barriga do monstro era assim, só que mais quente e fedorento.
Por um momento, eu estava atordoado
demais para fazer qualquer coisa. Não podia acreditar que eu ainda estava vivo.
Se a boca do crocodilo fosse menor, ele poderia ter me partido ao meio. Do
tamanho que era, ele me engoliu em uma única porção tamanho Carter, então eu
poderia apreciar ser digerido lentamente.
Sorte, certo?
O monstro começou a se debater, o que
tornava difícil pensar. Eu prendi a respiração, sabendo que poderia ser meu
último fôlego. Eu ainda tinha minha espada e varinha, mas não podia usá-los com
meus braços presos ao meu lado. Eu não poderia alcançar qualquer uma das coisas
na minha bolsa.
O que deixou apenas uma resposta: a
palavra de poder. Se eu pudesse pensar no símbolo hieróglifo correto e falar em
voz alta, posso convocar alguma força mágica do tipo ira-dos-deuses para
explodir um caminho para fora deste réptil.
Em teoria: uma grande solução.
Na prática: Eu não sou tão bom com as
palavras de poder, mesmo na melhor das situações. Sufocar dentro de uma escura
e fedorenta goela de réptil não estava ajudando a me concentrar.
Você pode fazer isso, eu disse a mim mesmo.
Depois de todas as aventuras
perigosas que tive, eu não podia morrer assim. Sadie ficaria arrasada. Então,
depois que lidasse com sua dor, ela iria rastrear a minha alma no vida após a
morte egípcia e iria me importunar sem piedade pelo quão estúpido eu fui.
Meus pulmões queimavam. Eu estava
apagando. Escolhi uma palavra de poder, convoquei toda a minha concentração e
me preparei para falar.
De repente, o monstro deu uma guinada
para cima. Ele rugiu, o que soava muito estranho por dentro, e sua garganta
contraiu em volta de mim como se eu estivesse sendo espremido para fora de um
tubo de pasta de dente. Eu fui atirado para fora da boca da criatura e caí na
grama do pântano.
De alguma forma, consegui ficar de
pé. Cambaleei ao redor, meio cego, ofegante e coberto com gosma de crocodilo,
que cheirava a um tanque espumante de peixes.
A superfície do rio fervia com
bolhas. O crocodilo havia partido, mas de pé no pântano a cerca de seis metros
de distância estava um adolescente em jeans e uma camiseta laranja desbotada
que dizia ACAMPAMENTO alguma coisa. Eu não pude ler o resto. Ele parecia mais velho que eu –
talvez dezessete anos – com os cabelos negros despenteados e olhos verde-mar. O
que realmente me chamou a atenção foi sua espada – uma lâmina reta de dois
gumes brilhando com uma tênue luz bronze.
Eu não tenho certeza qual de nós dois
estava mais surpreso.
Por um segundo, o Garoto do
Acampamento apenas me encarou. Ele notou minhakhopesh e varinha, e eu tive a impressão que
ele já havia visto coisas como esta. Mortais normais têm problemas em ver
mágica. Seus cérebros não conseguem interpretá-la, então eles, ao invés disso,
desviam o olhar para minha espada, e veem um taco de baseball ou uma bengala.
Mas esse garoto... ele era diferente.
Eu suspeitei que ele fosse um mago. O único problema é, eu conheço a maioria
dos magos dos Nomos da América do Norte, e eu nunca vi esse cara antes. E
também nunca vi uma espada como essa. Tudo sobre ele parecia...não-egípcio.
— O crocodilo — Eu disse, tentando
manter a voz calma e uniforme. — Para onde ele foi?
O Garoto do Acampamento franziu a
testa.
— De nada.
— O quê?
— Eu espetei o crocodilo no traseiro
— ele imitou a ação com sua espada — esse foi o motivo de ele ter vomitado
você. Então, de nada. O que você está fazendo aqui?
Eu devo admitir que não estava em meu
melhor humor. Eu fedia. Estava machucado. E, sim, eu estava um pouco
embaraçado: o famoso Carter Kane, chefe da Casa do Brooklyn, havia sido
expelido da boca do crocodilo como uma bola de pelo gigante.
— Eu estava descansando — disparei —
O que você pensou que eu estava fazendo? Agora, quem é você, e por que você
está lutando com o meu monstro?
— Seu monstro? — O cara se arrastou até mim
através da água. Ele não pareceu ter problema algum com a lama. — Olha, cara,
eu não sei quem é você. Mas este crocodilo vem aterrorizando Long Island por
semanas. Eu meio que levei para o lado pessoal, já que essa é minha área.
Alguns dias atrás, ele comeu um de nossos pégasos.
Uma onda de choque subiu pela minha
espinha como se eu tivesse se apoiado em uma cerca eletrificada.
— Você disse pégaso?
Ele tinha outra questão em mente.
— É seu monstro ou não?
— Eu não sou o dono dele! — rosnei —
Eu estava tentando detê-lo! Agora, onde...
— O crocodilo foi por aqui — ele
apontou sua espada para o sul. — Eu estaria caçando-o, mas você me surpreendeu.
Ele me avaliou, o que era
desconcertante já que ele era mais que dez centímetros mais alto que eu. Eu
ainda não podia ler sua camiseta, exceto a palavra ACAMPAMENTO. Em torno de seu
pescoço pendia uma tira de couro com algumas contas coloridas de argila, iguais
a projetos de artes de crianças. Ele não carregava um pacote mágico ou uma
varinha. Talvez ele o guardasse no Duat. Ou talvez fosse apenas um mortal
alucinando que tinha acidentalmente encontrado uma espada mágica e pensava que
era uma relíquia de um super-herói. Relíquias antigas poderiam realmente mexer
com a sua mente.
Finalmente ele sacudiu a cabeça.
— Eu desisto. Filho de Ares? Você tem
que ser um meio-sangue, mas o que aconteceu com sua espada? Está toda dobrada.
— É uma khopesh — meu choque estava rapidamente se
transformando em raiva. — É para ser curva.
Mas eu não estava pensando sobre a
espada. O Garoto do Acampamento havia me chamado de meio-sangue? Talvez eu não
tenha ouvido corretamente. Talvez ele quisesse dizer outra coisa. Mas meu pai
era afroamericano. Minha mãe era branca. Meio-sangue não era uma palavra que eu
gostava.
— Apenas saia daqui — eu disse,
rangendo os dentes. — Eu tenho um crocodilo para pegar.
— Cara, eu tenho um crocodilo para pegar — ele insistiu. — Da
última vez que você tentou, ele comeu você. Lembra-se?
Meus dedos apertaram ao redor do
punho da minha espada.
— Eu tinha tudo sob controle. Eu
estava prestes a convocar o punho...
Pelo o que aconteceu a seguir, eu
assumo total responsabilidade.
Não foi minha intenção. Honestamente.
Mas eu estava com raiva. E como eu posso ter mencionado, nem sempre sou bom em
canalizar palavras de poder. Enquanto eu estava na barriga do crocodilo, me
preparava para convocar o Punho de Hórus, uma mão azul e brilhante gigante que
pode pulverizar portas, paredes, e praticamente qualquer outra coisa que ficar
em seu caminho. Meu plano era socar o monstro para abrir uma saída. Bruto, sim,
mas esperançosamente eficaz.
Eu acho que aquele feitiço ainda
estava em minha cabeça, pronto para ser disparado como uma arma carregada.
Encarar o Garoto do Acampamento me deixou furioso, para não mencionar tonto e
confuso; por isso quando eu quis dizer a palavra punho em Inglês, saiu em
egípcio antigo em vez disso: khefa.
Um hieróglifo um simples:
Você não imagina o quanto de
problemas pode causar.
Assim que eu disse a palavra, o
símbolo brilhou no ar entre nós. Um punho gigante do tamanho de uma máquina de
lavar louça surgiu brilhando e lançou o Garoto do Acampamento para a próxima
cidade.
Quer dizer, eu literalmente o soquei
para fora de seus sapatos. Ele disparou do rio com um alto suck-plop! E a última coisa que eu vi foi seus
pés descalços atingir a velocidade de escape enquanto ele voou para trás e
desapareceu de vista.
Não, eu não me senti bem com isso.
Bem... talvez um pouquinho. Mas eu também me senti mortificado. Mesmo que o
cara fosse um idiota, magos não deveriam sair por aí socando crianças, os
colocando em órbita com o Punho de Hórus.
— Oh, ótimo. — Me bati na testa.
Eu comecei a atravessar o pântano,
preocupado que eu poderia ter realmente matado o garoto.
— Cara, me desculpe! — gritei,
esperando que ele pudesse me ouvir. — Você está...?
A onda veio do nada.
Uma parede de água de 6 metros se
chocou em mim e me empurrou de volta ao rio. Eu me levantei confuso, com um
gosto horrível de peixe em minha boca. Removi a sujeira dos meus olhos a tempo
de ver o Garoto do Acampamento saltando em minha direção no estilo ninja, com a
espada levantada.
Eu posicionei minha khopesh para me defender. Só consegui impedir
que minha cabeça fosse partida em duas, pois o garoto do acampamento era forte
e rápido. Enquanto eu recuava, ele avançava mais e mais. Todas às vezes, eu
conseguia desviar, mas eu posso dizer que fui superado. Sua espada era mais
leve e rápida, e – sim, eu admito – ele era um melhor espadachim.
Eu queria explicar que foi um
acidente. Eu não era o seu inimigo. Mas eu precisei de toda a minha
concentração somente para conseguir desviar de raspão.
O Garoto do Acampamento, no entanto,
não tinha problema para conversar.
— Agora eu entendi — ele disse,
mirando em minha cabeça. — Você é algum tipo de monstro.
CLANG! Eu interceptei o golpe e recuei.
— Eu não sou um monstro — rebati.
Para combater esse cara, eu teria que
usar mais que apenas uma espada. O problema era que eu não queria machucá-lo.
Apesar do fato de que ele estava tentando me transformar em um sanduiche sabor
churrasco Kane, eu ainda me sentia mal por começar a luta.
Ele atacou de novo, e eu não tive
escolha. Usei minha varinha dessa vez, pegando sua espada através da curva da
varinha e canalizando um pouco de mágica através de seu braço. O ar entre nós
piscou e estourou. O Garoto do Acampamento recuou. Faíscas azuis de feitiço
piscaram ao redor dele, como se minha magia não soubesse o que fazer com ele.
Quem era esse garoto?
— Você disse que o crocodilo era seu — o garoto fez uma careta, com fúria saindo de seus
olhos verdes. — Você perdeu seu bichinho de estimação, eu suponho. Talvez você
seja um espírito do Mundo Inferior, vindo através das Portas da Morte?
Antes mesmo que eu pudesse processar
aquela pergunta, ele estendeu sua mão livre. O rio reverteu seu curso e me fez
escorregar.
Eu consegui me levantar, mas estava ficando
realmente cansado de beber água lamacenta. Enquanto isso, o Garoto do
Acampamento se preparou de novo, com sua espada levantada para matar. No
desespero, eu derrubei minha varinha. Coloquei minha mão em minha mochila e
meus dedos se fecharam ao redor de um pedaço de corda.
Eu o tirei e gritei a palavra comando
“TAS!” – amarrar – enquanto a espada de bronze do Garoto do Acampamento cortava meu
pulso.
Meu braço todo se torceu em agonia.
Minha visão embaçou. Pontos amarelos dançaram em meus olhos. Deixei cair minha
espada e agarrei meu pulso, ofegando por ar, ignorando tudo exceto a dor
excruciante.
No fundo do meu consciente, eu sabia
que o Garoto do Acampamento podia me matar facilmente. Por alguma razão, ele
não matou. A onda de náusea me fez me dobrar.
Eu me forcei a olhar para o
ferimento. Havia muito sangue, mas eu lembrei algo que Jaz tinha me contado uma
vez na enfermaria da Casa do Brooklyn: cortes costumam parecer muito pior do
que eles realmente são. Eu esperava que aquilo fosse verdade. Eu pesquei um
pedaço de papiro da minha mochila e o pressionei contra o ferimento como uma
bandagem improvisada.
A dor ainda era terrível, mas a
náusea tornou-se mais tolerável. Meus pensamentos começaram a clarear e eu me
perguntava por que eu ainda não havia sido golpeado.
O Garoto do Acampamento estava
sentado nas proximidades, com água até a cintura, parecendo abatido. Minha
corda mágica tinha se enrolado ao redor do seu braço que segurava a espada, e
então prendeu sua mão ao lado de sua cabeça. Incapaz de soltar a espada ficou
parecendo que ele tinha um único chifre de rena brotando próximo à sua orelha.
Ele puxou a corda com a mão livre, mas naturalmente ele não poderia fazer
nenhum progresso.
Finalmente ele apenas suspirou e
olhou para mim.
— Eu realmente estou começando a
odiar você.
— Me odiar? — protestei — Eu estou
jorrando sangue aqui! E você que começou tudo isso por me chamar de
meio-sangue!
— Ahh, por favor — o Garoto Campista
levantou vacilante, sua espada antena fazendo-o se desequilibrar. — Você não
pode ser mortal. Se você fosse, minha espada deveria ter passado direto,
atravessando você. Se você não é um espírito ou um monstro, tem que ser um
meio-sangue. Um semideus trapaceiro do exército de Cronos, eu acho.
A maior parte do que esse cara disse,
eu não entendi. Mas uma coisa eu entendi.
— Então, quando você disse
“meio-sangue”...
Ele olhou para mim como se eu fosse
um idiota.
— Eu quis dizer semideus. Sim. O que você acha que eu quis dizer?
Eu tentei processar isso. Eu já tinha
ouvido falar do termo semideus antes, mas não era um conceito egípcio. Talvez esse cara estivesse
sentindo que eu tive uma ligação com Hórus, que eu poderia canalizar o poder do
deus... mas por que ele descrevia tudo isso de forma tão estranha?
— O que você é? — eu perguntei — Meio
mágico de combate, meio elementar da água? Com que Nomo você está?
O garoto riu amargamente.
— Cara, eu não sei sobre o que você
está falando. Eu não saio com gnomos. Sátiros às vezes. E ciclopes, mas não com
gnomos.
A perda de sangue deveria ter me
deixado zonzo. As palavras dele se destacavam na minha cabeça como se fossem
bolas tiradas na loteria: ciclopes, sátiros, semideuses, Cronos. Mais cedo ele havia mencionado Ares. Este era um deus grego, não egípcio.
Eu senti como se o Duat tivesse se
aberto debaixo de mim, tentando me empurrar para as profundezas. Grego... não egípcio.
Uma ideia começou a se formar na
minha mente. E eu não gostei dela. Na verdade, isso me assustou muito. Apesar
de toda a água do pântano que eu engoli, eu sentia a minha garganta seca.
— Olhe — falei — me desculpe acertar
você com aquele feitiço de punho. Foi um acidente. Mas o que eu não entendo...
é que aquilo deveria ter te matado. Mas não aconteceu. Isso não faz sentido.
— Não fique tão desapontado — ele
murmurou. — Mas, já que estamos falando nisso, você deveria estar morto também.
Não há muitas pessoas que podem lutar contra mim tão bem. E a minha espada
deveria ter vaporizado o seu crocodilo.
— Pela última vez, ele não é meu crocodilo.
— Certo, tanto faz — o campista olhou
desconfiado. — O ponto é que eu atingi o crocodilo num ótimo lugar, mas isso só
o fez ficar com raiva. Bronze Celestial deveria ter transformado ele em pó.
— Bronze Celestial?
Nossa conversa foi interrompida por
um grito vindo das proximidades – a voz aterrorizada de uma criança.
Meu coração se apertou. Eu era
realmente um idiota. Eu tinha esquecido o motivo de nós estarmos aqui. Eu olhei
para o Campista.
— Nós temos que parar o crocodilo.
— Trégua — ele sugeriu.
— Sim — eu respondi. — Nós podemos
continuar tentando matar um ao outro depois de cuidar do crocodilo.
— Fechado. Agora, você pode, por
favor, desamarrar a minha mão da minha cabeça? Eu estou me sentindo como um
unicórnio esquisito.
Eu não direi que confiávamos um no
outro, mas agora, ao menos, tínhamos uma causa comum. Ele convocou seus sapatos
para fora do rio – eu não tinha ideia como – e os colocou. Então me ajudou a
enfaixar a minha mão com uma tira de linho e esperou enquanto eu bebia metade
da minha poção de cura.
Depois disso, eu me senti bem o
suficiente para correr atrás dele em direção ao som dos gritos.
Eu achava que estava muito bem
fisicamente – com a prática do combate magico, carregando artefatos pesados e
jogando basquete com Khufu e seus amigos babuínos (não mexa com babuínos quando
se tratar de aros). Porém, eu tinha que me esforçar muito para acompanhar o
Garoto do Acampamento.
O que me lembrou, eu estava ficando
cansado de chamá-lo assim.
— Qual o seu nome? — perguntei,
arquejando enquanto eu corria atrás dele.
Ele me olhou cauteloso.
— Eu não tenho certeza se devo te
contar. Nomes podem ser perigosos.
Ele estava certo, é claro. Nomes
tinham poder. Um tempo atrás, minha irmã, Sadie, aprendeu o meu ren, meu nome secreto,
e isso ainda me causa muita aflição. Mesmo com o nome comum de alguém, um
mágico habilidoso poderia realizar vários tipos de danos.
— É justo. Eu direi primeiro. Sou
Carter.
Acho que ele acreditou em mim. As
linhas ao redor dos seus olhos relaxaram um pouco.
— Percy — ele respondeu.
Isso soou para mim como um nome
incomum – britânico, talvez, embora o garoto tenha falado e agido muito como um
americano.
Nós pulamos um tronco podre e
finalmente saímos do pântano. Começamos então a subir por uma encosta gramada
em direção as casas próximas quando eu me dei conta de que mais de uma voz
estava gritando lá em cima agora. Não era um bom sinal.
— Apenas avisando — falei para Percy
— você não pode matar monstros.
— Apenas me observe — Percy
resmungou.
— Não, eu quero dizer que eles são imortais.
— Eu já ouvi isso antes. Eu tenho
vaporizado uma porção de imortais e os enviado de volta para o Tártaro.
Tártaro?, pensei.
Conversar com Percy estava me dando
uma forte dor de cabeça. Isso me lembrava da vez em que meu pai me levou para a
Escócia para mais uma de suas palestras sobre egiptologia. Eu tentei falar com
alguns dos locais e eu sabia que eles falavam inglês, mas em muitas das
sentenças havia uma diferença na linguagem – palavras e pronunciações
diferentes – e eu me perguntava, o que raios eles estavam falando. Percy era
assim. Ele e eu quase falávamos a mesma linguagem – magia, monstros, etc. Mas o seu vocabulário
era totalmente errado.
— Não — tentei novamente. — Este
monstro é um petsuchos, um filho de Sobek.
— Quem é Sobek? — ele perguntou.
— Senhor dos crocodilos, um deus
egípcio.
Isso o fez parar. Ele me encarou, e
eu podia jurar que o ar entre nós se tornou eletricidade. Uma voz, bem no fundo
da minha cabeça me disse: Cale a boca. Não conte mais nada para ele.
Percy olhou de relance para a kopesh que eu tinha recuperado do rio e
depois para a varinha no meu cinto.
— Sério, de onde você é?
— Originalmente? — perguntei. — Los
Angeles. Agora eu vivo no Brooklyn.
Aquilo pareceu não o ter feito se
sentir muito melhor.
— Então, este monstro, Pé-de-Suco ou qualquer coisa assim...
— Petsuchos — corrigi. — É uma palavra grega, mas
o monstro é egípcio. Era como a mascote do templo de Sobek, venerado como um
deus vivo.
Percy grunhiu.
— Você fala como a Annabeth.
— Quem?
— Ninguém. Apenas esqueça a aula de
história. Como nós matamos aquilo?
— Eu já lhe disse...
De cima veio outro grito, seguido de
um sonoro CRUNCH, como o som emitido por um
compactador de metal.
Nós corremos para o topo da colina,
pulamos a cerca do quintal de alguém e chegamos direto para uma área
residencial sem saída.
Exceto pelo crocodilo gigantesco no
meio da rua, aquela vizinhança poderia ser de qualquer lugar nos Estados
Unidos. Havia meia dúzia de casas de único andar, com carros econômicos nas
garagens, caixas de correios na calçada e bandeiras nas varandas.
Infelizmente, a cena totalmente
americana estava arruinada pelo monstro, que estava ocupado comendo um Prius
verde que possuía um adesivo no para-choque em que se liaMEU POODLE É MAIS
ESPERTO DO QUE O SEU ESTUDANTE DE HONRA. Talvez opetsuchos pensasse que o Toyota era outro
crocodilo, e ele estava afirmando sua dominância. Talvez ele também não
gostasse de poodles ou estudantes de honra.
Em todo o caso, na terra o crocodilo
parecia muito mais assustador do que aparentava dentro da água. Ele tinha cerca
de 12 metros de comprimento, tão alto quando um caminhão, com uma cauda tão
maciça e poderosa que virava carros toda vez que balançava. Sua pele brilhava
em verde escuro e escorria água que se acumulava em poças embaixo de seus pés.
Eu me lembro de Sobek ter me dito que
seu suor divino tinha originado os rios do mundo. Eca. Imaginei que esse
monstro tinha o mesmo suor sagrado. Duplo eca.
Os olhos da criatura emitiam um fraco
brilho amarelo. Seus dentes brancos e irregulares brilhavam. Mas a coisa mais
estranha sobre ele era seu brilho. Ao redor de seu pescoço pendia uma elaborada
corrente de ouro e pedras preciosas suficientes para se comprar uma ilha
privada.
O colar era o que me havia feito
perceber que o monstro era um petsuchos lá no pântano. Eu tinha lido que o animal sagrado de Sobek usava algo
parecido no Egito, embora o que o monstro estava fazendo em um bairro de Long
Island, eu não tinha ideia.
Quando que Percy e eu entramos em
cena, o crocodilo fechou a mandíbula e partiu o Prius verde em dois, espalhando
vidro, metal e pedaços de airbags através dos
gramados.
Assim que ele deixou cair os
destroços do carro, meia dúzia de crianças apareceu do nada – aparentemente
estavam se escondendo atrás de algum dos outros carros – e perseguiram o
monstro, gritando o máximo que seus pulmões aguentavam.
Eu não podia acreditar. Eles eram
apenas crianças em idade da pré-escolar, armados com nada mais que balões e
armas de água. Imaginei que estivessem em férias de verão e estavam se
refrescando com uma guerra de água quando o monstro os interrompeu.
Não havia adultos nas redondezas.
Talvez todos estivessem trabalhando. Ou talvez estivessem dentro das casas,
desmaiados de susto.
As crianças aparentavam sentir mais
raiva do que medo. Elas corriam em volta do crocodilo, arremessando balões
d’água que estouravam inofensivamente contra a couraça do monstro.
Inútil e estúpido? Sim. Mas eu não
poderia deixar de admirar sua bravura. Eles estavam fazendo o seu melhor para
derrubar um monstro que havia invadido o seu bairro.
Talvez eles não vissem o crocodilo do
jeito que era. Talvez seus cérebros mortais fizessem com que eles pensassem ser
um elefante que escapou do zoológico, ou um entregador do Fedex enlouquecido
com um desejo de morte.
Seja lá o que for que estavam vendo,
estavam em perigo.
Minha garganta se fechou. Pensei em
meus iniciados na Casa do Brooklyn, que não eram mais velhos que essas
crianças, e meu instinto de “irmão mais velho protetor” entrou em ação. Eu
corri para a rua, gritando.
— Saiam de perto disto! Corram!
Então atirei minha varinha direto na
cabeça do crocodilo.
— Sa-mir.
Acertei bem no focinho do crocodilo,
então luzes azuis ondularam pelo seu corpo. Por toda a pele do monstro, o
hieróglifo para dor cintilou:
Em todo lugar que o símbolo apareceu,
a pele do monstro soltou fumaça e estralou, fazendo o monstro se contorcer todo
em aborrecimento.
As crianças se espalharam, se
escondendo atrás de carros e caixas de correio arruinadas. O petsuchos virou seus brilhantes olhos amarelos
para mim.
Ao meu lado, Percy assobiou baixinho,
— Bem, você conseguiu a atenção dele.
— É.
— Você tem certeza que não podemos
matar aquilo? — ele perguntou.
— Sim.
O animal parecia estar acompanhando
nossa conversa, alternando seus olhos amarelos entre nós, como se decidindo qual
de nós comer primeiro.
— Mesmo se você pudesse destruir seu corpo — eu disse — ele
apenas iria reaparecer em algum lugar próximo. Aquele colar? É encantado com o
poder de Sobek. Para vencê-lo nós temos que arrancar aquele colar do pescoço.
Então o petsuchos deverá encolher de volta para um crocodilo normal.
— Eu odeio a palavra deverá — Percy murmurou. — Está certo, eu dou
um jeito no colar. Você tenta manter ele ocupado.
— Por que eu tenho que o manter
distraído?
— Porque você é o mais irritante.
Apenas tente não ser comido de novo.
— ROOOAR! — o monstro gritou, seu bafo
parecendo o lixo de um restaurante de frutos do mar.
Eu ia discutir de que Percy era bem
irritante também, mas não tive chance. O petsuchosatacou, e meu novo irmão em armas correu para um lado, me deixando bem
no meio do caminho de destruição.
Meu primeiro pensamento foi: Ser comido duas vezes em um dia será
bastante vergonhoso.
Com o canto do meu olho, pude ver
Percy mergulhando em direção ao flanco direito do crocodilo. Eu ouvi as crianças
mortais saindo de seus esconderijos, gritando e atirando mais balões de água
como se estivessem tentando me proteger.
O petsuchos veio pesadamente em minha direção,
com suas mandíbulas abertas para me abocanhar.
E eu fiquei bravo. Eu tinha
enfrentado os piores deuses egípcios. Entrei no fundo do Duat e caminhei pela
terra de demônios. Eu estive nas próprias margens do oceano do caos. não iria
recuar para um lagarto supercrescido.
O ar estralou com poder enquanto meu
avatar de combate se formava ao redor – um brilhante exoesqueleto azul na forma
de Hórus.
Eu fui tirado do chão até que eu
estava no meio de um guerreiro com cabeça de falcão a seis metros de altura.
Dei um passo a frente, me apoiando, e o avatar imitou exatamente os meus
movimentos.
Percy gritou:
— Santa Hera! O que é...?
E o crocodilo bateu em mim.
Ele quase me derrubou com suas
mandíbulas fechadas ao redor do braço livre do meu avatar, mas eu desci a
espada azul brilhante do meu guerreiro falcão em cima do pescoço do crocodilo.
Talvez o petsuchos realmente não pudesse ser morto. Eu
estava pelo menos esperando poder cortar fora o colar, que era a fonte do seu
poder.
Infelizmente minha lâmina passou
longe. Acertei o monstro no ombro, cortando seu couro. No lugar de sangue, ele
jorrou areia, o que é bastante típico de monstros egípcios. Eu iria apreciar
vê-lo desintegrar completamente, mas não tive tal sorte. Assim que puxei minha
espada para liberdade, a ferida começou a cicatrizar e a areia se reduziu a
quase nada. O crocodilo balançou a cabeça para todos os lados, me tirando do
chão e me balançando como um cachorro com um brinquedo de mastigar.
Quando ele me soltou, eu sai voando
para a casa mais próxima e entrei pelo telhado, deixando uma cratera com
formato de guerreiro falcão na sala de estar de alguém. Eu esperava apenas não
ter achatado nenhum mortal enquanto assistiam Dr. Phill.
Quando minha visão clareou, eu vi
duas coisas que me irritaram. Primeiro, o crocodilo estava correndo em minha
direção novamente. Segundo, meu novo amigo Percy estava parado no meio da rua,
me encarando totalmente chocado.
Aparentemente meu avatar de combate
tinha o assustado tanto que ele havia esquecido sua parte no plano.
— Mas que coisa assustadora é essa? — ele exigiu — Você estava dentro de um
brilhante homem-galinha gigante!
— Falcão! — gritei.
Eu decidi que se eu sobrevivesse a
esse dia, eu iria dar um jeito de nunca o deixar conhecer Sadie. Eles
provavelmente iriam se revezar em me insultar pelo resto da eternidade.
— Uma pequena ajudinha aqui?
Percy descongelou e correu em direção
à criatura. Com o monstro chegando perto, eu o chutei no focinho, o que o fez
espirrar e balançar sua cabeça longe o suficiente para eu me livrar da casa em
ruínas.
Então Percy pulou na cauda da
criatura e correu pela sua coluna. O monstro se debatia, sua pele vertendo água
por todo lado, mas de algum jeito Percy conseguiu ficar no lugar. O cara deve
ter praticado ginástica ou alguma coisa assim.
Enquanto isso, as crianças mortais
tinha encontrado uma munição melhor – pedras, sucata do carro destruído, até
mesmo uns pedaços de ferro – e estavam lançando as coisas no monstro. Eu não
queria que o crocodilo voltasse sua atenção para eles.
— EI!
Eu balancei minha kopesh na cara do bicho – um bom ataque
solido que deveria ter arrancado o maxilar inferior, mas ele de alguma maneira
se desviou da lâmina e a abocanhou. Nós acabamos lutando pela espada azul
enquanto ele chiava com a boca, fazendo seus dentes se desmancharem em areia.
Aquilo não poderia ter sido bom, mas o crocodilo aguentou firme, puxando contra
mim.
— Percy! — gritei — quando você
quiser!
Percy se atirou até o colar. Ele o
agarrou e começou a cortar os elos de ouro, mas a sua espada de bronze sequer
fez um arranhão. Enquanto isso o crocodilo enlouquecia tentando arrancar a
espada da minha mão. E meu avatar de combate começou a tremer.
A invocação de avatar é uma coisa a
curto prazo, como correr em velocidade máxima. Você não consegue fazer durar
muito, se não entra em colapso. Neste momento eu já estava suando e respirando com
dificuldade. Meu coração disparou, meus reservatórios de magia estavam sendo
dizimados.
— Rápido — eu disse para Percy.
— Eu não consigo cortar isso!
— Um fecho — falei. — Tem que haver
um.
Assim que eu disse isso, o vi – na
garganta do monstro, um cartucho de ouro circundado com hieróglifos que
soletravam SOBEK.
— Está lá, na parte de trás!
Percy desceu pelo colar, escalando-o
como uma rede, mas nesse momento meu avatar entrou em colapso. Eu caí ao chão,
exausto e tonto. A única coisa que salvou minha vida foi que o crocodilo estava
puxando a espada do meu avatar. Quando a espada desapareceu, o monstro
cambaleou para trás e tropeçou em um Honda.
As crianças mortais dispersaram. Uma
mergulhou debaixo de um carro, só para que o carro desaparecesse – atirado ao
ar pela cauda do crocodilo.
Percy chegou à parte de trás do colar
e se segurou com se sua vida dependesse disso. Sua espada tinha ido embora.
Provavelmente ele a tinha deixado cair.
Enquanto isso, o monstro recuperou o
equilíbrio. A boa notícia: ele não pareceu notar Percy. A má notícia: ele definitivamente me notou e pareceu extremamente
bravo.
Eu não tinha a energia para correr,
muito menos para convocar mágica para lutar. Neste ponto, as crianças mortais
com seus balões de água e rochas tinham mais chance de deter o crocodilo do que
eu.
À distância, sirenes soaram. Alguém
chamou a polícia, o que não exatamente me animava. Isso só significava que mais
mortais se dirigiam para cá o mais rápido que poderiam para se voluntariar como
lanches.
Recuei até a calçada e tentei –
ridiculamente – olhar o monstro.
— Quieto rapaz.
O crocodilo rosnou. Sua pele verteu
água, como a mais grosseira fonte no mundo, fazendo meus sapatos chapinharem
enquanto eu caminhava. Seus olhos amarelos-lâmpada me acompanhavam, talvez
brilhando de felicidade. Ele sabia que eu estava acabado.
Enfiei minha mão na mochila. A única
coisa que eu encontrei foi um pedaço de cera. Eu não tinha tempo para construir
um shabti apropriado, mas não tinha ideia melhor. Larguei minha mochila e comecei
a amassar furiosamente a cera com ambas as mãos, tentando amolecê-la.
— Percy? — chamei.
— Não consigo destrancar o fecho! —
ele gritou.
Eu não ousava tirar os olhos do
crocodilo, mas na minha visão periférica eu podia ver Percy batendo o punho
contra a base do colar.
— Algum tipo de mágica?
Essa foi a coisa mais inteligente que
ele disse durante toda a tarde (não que ele havia dito um monte de coisas
inteligentes para que eu pudesse escolher). O fecho era um cartucho de
hieróglifos. Seria preciso um mago para entendê-lo e abri-lo. O que quer ou
quem quer Percy fosse, ele não era um mago.
Eu ainda estava moldando o pedaço de
cera, tentando transformá-la em uma estatueta, quando o crocodilo decidiu parar
de saborear o momento e apenas me comer. Quando ele pulou, eu joguei meu shabti, apenas metade formado, e rosnei uma palavra de comando.
Instantaneamente o hipopótamo mais
deformado do mundo ganhou vida em pleno ar. Ele partiu de cabeça na narina
esquerda do crocodilo e se alojou lá, chutando com suas curtas pernas
traseiras.
Não foi exatamente o meu melhor
movimento tático, mas ter um hipopótamo chutando o seu nariz deveria ser
distração suficientemente. O crocodilo silvou e tropeçou, sacudindo a cabeça,
enquanto Percy pulou e rolou para longe, mal evitando ser pisoteando pelos pés
do crocodilo. Ele correu para se juntar a mim na calçada.
Eu olhei com horror como minha
criatura de cera, agora um vivo (embora muito disforme) hipopótamo, tentou se
livrar da narina do crocodilo ou buscou um caminho ainda mais fundo através da
cavidade nasal do réptil – eu não tinha certeza qual.
O crocodilo girava em circulo e Percy
agarrou-me na hora certa, me puxando para fora do caminho.
Nós corremos para a saída oposta do
beco sem saída, onde as crianças mortais haviam se reunido. Surpreendentemente,
nenhuma delas parecia estar ferida. O crocodilo manteve-se debatendo e acabando
com casas, enquanto tentava limpar a sua narina.
— Você está bem? — Percy me
perguntou.
Eu respirei em busca de ar, mas
acenei com a cabeça fracamente.
Um dos garotos me ofereceu sua
pistola d’água. Eu dispensei com um aceno.
— Vocês — Percy disse às crianças —
ouvem aquelas sirenes? Vocês tem que descer a estrada e parar a polícia.
Diga-lhes que é muito perigoso aqui em cima. Enrolem eles!
Por alguma razão, as crianças escutavam.
Talvez estivessem apenas felizes por terem algo a fazer, mas, da forma como
Percy falou, eu tenho a sensação de ele estava acostumado animar tropas em
desvantagem. Ele soou um pouco como Hórus – um comandante natural.
Depois que as crianças saíram
correndo, eu consegui dizer:
— Boa ideia.
Percy assentiu tristemente. O
crocodilo ainda estava distraído por seu intruso nasal, mas eu duvidava que o shabti fosse durar muito mais tempo. Sob
essa quantidade de estresse, o hipopótamo iria em breve derreter de volta em
cera.
— Você tem algumas jogadas, Carter —
Percy admitiu. — Qualquer outra coisa em seu saco de truques?
— Nada — eu disse tristemente —
fiquei sem nada. Mas se eu puder chegar àquele fecho, acho que posso abri-lo.
Percy avaliou o petsuchos. O beco sem saída estava se enchendo de água que vertia da pele do
monstro. As sirenes estavam ficando mais altas. Nós não tínhamos muito tempo.
— Acho que é a minha vez de distrair
o crocodilo. Prepare-se para correr até aquele colar.
— Você não tem sequer a sua espada —
eu protestei. — Você vai morrer!
Percy deu um sorriso torto.
— Apenas corra para lá assim que
começar.
— Assim que o quê começar?
Em seguida, o crocodilo espirrou,
lançando o hipopótamo de cera através de Long Island. Opetsuchos voltou-se para nós, rugindo com
raiva, e Percy avançou diretamente para ele.
Enquanto ele saia, eu não precisei
perguntar que tipo de distração Percy tinha em mente. Depois que começou, era
bastante óbvio.
Ele parou em frente ao crocodilo e
levantou os braços. Eu imaginei que ele estava planejando algum tipo de magia,
mas ele não dizia nenhuma palavra de comando. Ele não tinha cajado ou varinha.
Ele apenas ficou parado lá e olhou para o crocodilo como se quisesse dizer: Estou aqui! Eu sou gostoso!
O crocodilo parecia momentaneamente
surpreendido. Se nada desse certo, nós morreríamos sabendo que tínhamos
confundido o monstro muitas e muitas vezes.
O suor do crocodilo continuava a cair
de seu corpo. O material salobro subia até a calçada agora, até nossos tornozelos.
Escorria pelos bueiros, mas apenas continuava derramando da pele do crocodilo.
Então eu vi o que estava acontecendo.
Enquanto Percy levantava os braços, a água começou a rodopiar no sentido
anti-horário. Começou ao redor dos pés do crocodilo e rapidamente ganhou
velocidade até que o redemoinho abrangeu todo o beco sem saída, girando forte o
suficiente para que eu pudesse sentir me puxando para o lado.
No momento em que eu percebi que
seria melhor começar a correr, a corrente já estava muito rápida. Eu tinha que
alcançar o colar de alguma outra forma.
Um último truque, pensei.
Eu temia que o esforço pudesse,
literalmente, me consumir, mas eu invoquei o meu pedaço final de energia mágica
e me transformei em um falcão – o animal sagrado de Hórus.
Instantaneamente, minha visão ficou
cem vezes mais nítida. Eu disparei para cima, acima dos telhados, e o mundo
inteiro mudou para 3D em alta definição. Eu vi os carros da polícia a poucos
quarteirões de distância, as crianças de pé no meio da rua, atrasando-os. Eu
poderia contar cada protuberância e poro viscoso no couro do crocodilo. Eu
conseguia ver cada hieróglifo naquele fecho do colar. E podia ver o quão
impressionante era o truque de mágica de Percy.
Todo o beco sem saída estava envolto
em um furacão. Percy estava na borda, impassível, mas a água estava agitando
tão rápido agora que até mesmo o crocodilo gigante perdia o equilíbrio. Carros
destruídos raspavam ao longo do pavimento. Caixas de correio foram retirados
dos gramados e varridos. A água aumentou em volume, bem como a velocidade,
subindo e transformando a vizinhança inteira em uma centrífuga líquida.
Foi a minha vez de ficar chocado.
Alguns momentos atrás, eu tinha decidido que Percy não era mágico. No entanto,
eu nunca tinha visto um mágico que podia controlar tanta água.
O crocodilo tropeçou e debateu-se,
arrastado em um círculo com a corrente.
— A qualquer momento — Percy murmurou
com os dentes cerrados.
Sem a minha audição de falcão, eu
nunca o teria ouvido falar em meio à tempestade, mas eu percebi que ele estava
falando comigo.
Lembrei-me de que eu tinha um
trabalho a fazer. Ninguém, mágico ou qualquer outro, poderia controlar esse
tipo de poder por muito tempo.
Eu dobrei minhas asas e mergulhei
para o crocodilo. Quando alcancei o fecho do colar, voltei a ser humano e me
agarrei. Em toda a minha volta, o furacão rugia. Eu mal podia ver através do
redemoinho de névoa. A corrente estava tão forte agora que puxava minhas
pernas, ameaçando me puxar para o dilúvio.
Eu estava tão cansado. Eu não havia me sentido
ultrapassando os meus limites desde que eu tinha lutado com o Senhor do Caos, o
próprio Apófis. Passei a mão sobre os hieróglifos no fecho. Tinha que haver um
código para destravá-lo.
O crocodilo urrou e pisoteou, lutando
para se manter em pé. Em algum lugar à minha esquerda, Percy gritou de raiva e
frustração, tentando manter a tempestade, mas o redemoinho estava começando a
diminuir.
Eu tinha poucos segundos, na melhor
das hipóteses, até o crocodilo ficar livre e atacar. Então Percy e eu iríamos
estar mortos.
Eu senti os quatro símbolos que
compõe o nome do deus:
O último símbolo não chegava a
representar um som, eu sabia. Era o hieróglifo pra deus, indicando que as letras em frente dele – SBK – era o nome de uma divindade.
Quando estiver em dúvida, pensei,
aperte o botão deus.
Eu empurrei o quarto símbolo, mas
nada aconteceu.
A tempestade estava falhando. O
crocodilo começou a virar contra a corrente, de frente para Percy. Com o canto
do meu olho, através da névoa e nevoeiro, vi Percy cair em um joelho.
Meus dedos passaram sobre o terceiro
hieróglifo – a cesta de vime (Sadie sempre o chamou de “xícara de chá”) isso
representava o som de K. O hieróglifo parecia levemente quente ao toque – ou
era minha imaginação? Sem tempo para pensar, eu o pressionei. Nada aconteceu.
A tempestade morreu. O crocodilo
urrou em triunfo, pronto para se alimentar.
Eu soquei o hieróglifo de cesta de
vime com toda minha força. Nesse momento o fecho fez um click satisfatório e saltou, abrindo.
Eu caí na calçada, e várias centenas
de quilos de ouro e pedras preciosas derramaram-se em cima de mim.
O crocodilo cambaleou, rugindo como
as armas de um navio de guerra. O que restou do furacão se espalhou em uma
explosão de vento, e eu fechei os olhos, pronto para ser esmagado pelo corpo de
um monstro em queda.
De repente, o beco sem saída ficou em
silêncio. Nenhuma sirene. Nenhum rugir de crocodilo. O monte de joias de ouro
desapareceu. Eu estava deitado de costas na água suja, olhando para o céu azul
vazio.
O rosto de Percy apareceu em cima de
mim. Parecia que ele tinha acabado de correr uma maratona através de um tufão,
mas ele estava sorrindo.
— Bom trabalho. Conseguiu o colar.
— O colar?
Meu cérebro ainda estava lento. Onde
havia ido todo aquele ouro? Sentei-me e coloquei minha mão sobre a calçada.
Meus dedos se fecharam em volta do fio de joias, agora de tamanho normal...
bem, pelo menos normal para algo que poderia caber em volta do pescoço de um crocodilo de
tamanho comum.
— O... o monstro — gaguejei. — Onde...?
Percy apontou. A poucos metros de
distância, parecendo muito descontente, estava um bebê crocodilo com quase um
metro de comprimento.
— Você não pode estar falando sério.
— Talvez fosse bicho de estimação
abandonado de alguém? — Percy encolheu os ombros. — Você ouve sobre isso no
noticiário às vezes.
Eu não conseguia pensar em uma
explicação melhor, mas como um bebê crocodilo conseguiu pegar um colar que o
transformou em uma máquina de matar gigante?
Descendo a rua, vozes começaram a
gritar.
— Aqui! Tem dois garotos lá!
Eram as crianças mortais.
Aparentemente eles decidiram que o perigo tinha passado. Agora eles guiavam a
polícia direto para nós.
— Nós temos que ir — Percy pegou o
bebê crocodilo, cerrando uma das mãos em volta do pequeno focinho. Ele olhou
para mim. — Você vem?
Juntos, corremos de volta para o
pântano.
Meia hora depois, estávamos sentados
em um restaurante fora da estrada de Montauk. Divido o resto da minha poção de
cura com Percy, que por algum motivo insistiu em chamá-la de néctar. A maior parte das nossas feridas já estava curada.
Amarramos o crocodilo na floresta com
uma coleira improvisada, apenas até decidirmos o que fazer com ele.
Limpamos-nos o melhor que pudemos, mas ainda parecia que tomamos banho em um
lava rápido defeituoso. O cabelo de Percy estava escorrido para um lado e
embaraçado com pedaços de grama. Sua camiseta laranja estava rasgada na frente.
Tenho certeza de que eu não estava
muito melhor. Tinha água nos meus sapatos, e ainda estava tirando penas de
falcão das mangas da minha camiseta (transformações apressadas podem ser
bagunçadas).
Estávamos exaustos demais para falar
enquanto assistíamos o noticiário na televisão acima do balcão. Policiais e
bombeiros respondiam a uma ocorrência envolvendo um estranho acidente no esgoto
da vizinhança. Aparentemente houve um aumento de pressão nos canos de drenagem,
causando uma explosão massiva no solo, o que desencadeou inundações e uma
erosão tão grave que algumas casas no beco sem saída desabaram. Era um milagre
que nenhum morador ficou ferido. Crianças nas redondezas contaram algumas
histórias estranhas sobre um Monstro do Pântano de Long Island, afirmando que
ele causou todo esse dano durante uma luta com dois adolescentes, mas é claro
que a polícia não acreditou neles. O repórter admitiu, no entanto, que as casas
afetadas tinham a aparência de que “algo muito grande se sentou sobre elas”.
— Um estranho acidente de esgoto —
disse Percy. — Esse é o primeiro.
— Para você, talvez – resmunguei –
Parece que eles me acompanham onde quer que eu vá.
— Anime-se. O almoço é por minha
conta.
Ele vasculhou os bolsos da calça
jeans e tirou uma caneta esferográfica. Nada mais.
— Oh... — ele sorriu envergonhado —
Uh, na verdade... Você pode conjurar dinheiro?
Então, naturalmente, o almoço ficou
por minha conta. Eu podia retirar dinheiro do ar, desde que mantivesse algum guardado no Duat com
meus outros suprimentos de emergência, então em um instante tínhamos cheeseburgers e fritas à nossa frente, então as
coisas estavam melhorando.
— Cheeseburgers — Percy disse — comida dos deuses.
— Concordo — falei.
Mas quando olhei para ele, me
perguntei se ele estava pensando o mesmo que eu: que estávamos nos referindo a
deuses diferentes.
Percy cheirou seu hambúrguer. Sério,
esse cara podia comer.
— Então, o colar — ele disse entre as
mordidas. — Qual é a história?
Eu hesitei. Continuava sem pistas
sobre de onde Percy veio ou o que ele era, e eu não tinha certeza se queria
perguntar. Agora que lutamos juntos, eu não poderia deixar de confiar nele.
Ainda assim, eu sentia que estávamos pisando em terreno perigoso. Tudo o que
dissermos pode ter sérias implicações – não apenas para nós dois, mas talvez
para todos os que conhecemos.
Senti como se estivesse há dois
invernos atrás, quando meu tio Amós contou a verdade sobre a herança da família
Kane – A Casa da Vida, os deuses egípcios, o Duat, tudo. Em um único dia, meu
mundo ampliou-se dez vezes mais e me deixou em choque.
Agora eu estava de frente com outro
momento desses. Mas se meu mundo expandisse dez vezes mais de novo eu tinha medo de que meu cérebro
explodisse.
— O colar é encantado – eu disse por
fim. — Qualquer réptil que usá-lo se tornará o próximo petsuchos, o Filho de Sobek. De alguma maneira, aquele pequeno crocodilo usava
isso ao redor do pescoço.
— O que significa que alguém colocou em volta do pescoço dele — Percy
disse.
Eu não queria pensar nisso, mas
assenti com relutância.
— Então quem?
— Difícil de reduzir a lista. Tenho
muitos inimigos.
Percy bufou.
— Eu entendo isso. Alguma ideia do por que, então?
Dei outra mordida no meu cheeseburger. Estava bom, mas eu tinha problemas em me concentrar nele.
— Alguém que queira causar confusão —
especulei — Talvez...
Estudei Percy, tentando julgar o
quanto eu deveria dizer.
— Talvez eles quisessem causar
problemas para chamar nossa atenção. De nós dois.
Percy franziu a testa. Ele desenhou
algo em seu ketchup com uma batata frita – não um hieróglifo. Algum tipo de
linguagem não inglesa. Grego, eu acho.
— O monstro tinha um nome grego — ele
disse — Estava comendo pégaso em meu... — ele hesitou.
— Na sua casa própria casa — eu
terminei. — Algum tipo de acampamento, a julgar pela sua camiseta.
Ele mudou de posição em seu banco de
bar. Eu ainda não conseguia acreditar que ele estava falando sobre pégasos como
se eles fossem reais, mas eu lembrei de um dia na Casa do Brooklin, talvez há
um ano atrás, quando eu certamente vi um cavalo alado voar pelo horizonte de
Manhattan. Na época, Sadie disse que eu estava alucinando. Agora, não teria
tanta certeza.
Percy finalmente me encarou.
— Olha, Carter. Você não é tão chato
como eu pensava. E nós formamos um bom time hoje, mas...
— Você não quer dividir seus
segredos. Não se preocupe. Eu não vou perguntar sobre o seu acampamento. Ou dos
poderes que você tem. Ou nada disso.
Ele ergueu uma sobrancelha.
— Você não está curioso?
— Estou completamente curioso. Mas até descobrirmos o que
está acontecendo, acho melhor mantermos certa distância. Se alguém – alguma coisa – soltou aquele monstro aqui, sabendo
que atrairia a atenção de nós dois...
— Então talvez essa pessoa quisesse
que nos conhecêssemos — ele terminou — Esperando que coisas más acontecessem.
Franzi a sobrancelha. Pensei sobre o
desconforto que senti em meu estômago mais cedo – a voz em minha cabeça me
alertando para não contar nada a Percy. Passei a respeitar o garoto, mas ainda
sentia que não deveríamos ser amigos. Nós não fomos feitos para estar em
qualquer lugar perto um do outro.
Há muito tempo atrás, quando eu era
apenas uma criança, eu vi minha mãe fazer um experimento científico com alguns
de seus alunos da universidade.
“Potássio e água, ela disse a eles. Separados, completamente inofensivos.
Mas juntos...” Ela jogou o potássio em um copo de
água, e kabum! Os alunos saltaram para trás quando uma miniexplosão balançou todos os
frascos no laboratório. Percy era a água. Eu era o potássio.
— Mas agora nós nos conhecemos —
Percy falou. — Você sabe que eu estou aqui em Long Island. Eu sei que você mora
no Brooklyn. Se nós formos procurar um ao outro...
— Eu não recomendaria isso. Não até
sabermos mais. Preciso procurar algumas coisas no, uh, meu lado, para tentar
descobrir quem estava por trás deste incidente do crocodilo.
— Tudo bem — Percy concordou. — Eu
vou fazer o mesmo do meu lado.
Ele apontou para o colar petsuchos, que estava brilhando dentro da minha mochila.
— O que vamos fazer sobre isso?
— Eu posso enviá-lo para um lugar
seguro — eu prometi. — Ele não vai causar problemas novamente. Nós lidamos com
muitas relíquias como esta.
— Nós — Percy repetiu. — Ou seja, há um
monte de... vocês?
Eu não respondi.
Percy levantou as mãos as mãos.
— Tudo bem. Eu não perguntei nada. Eu
tenho alguns amigos no aca... uh no meu lado que adorariam mexer com um colar
mágico como este, mas eu vou confiar em você nisto. Pegue-o.
Eu não sabia que eu estava segurando
a minha respiração até que eu a soltei.
— Obrigado. Bom.
— E o bebê crocodilo? — perguntou.
Soltei uma risada nervosa.
— Você quer?
— Deuses, não — ele respondeu.
— Eu posso levá-lo, dar-lhe uma boa
casa.
Eu pensei na nossa enorme piscina na
casa do Brooklyn. Gostaria de saber como o nosso crocodilo mágico gigante,
Filipe da Macedônia, se sentiria em ter um amiguinho.
— Sim, ele vai se encaixar bem.
Percy parecia não saber o que pensar
sobre isso.
— Ok, bem... — ele estendeu a mão. —
Foi bom trabalhar com você, Carter.
Nós apertamos as mãos. Nenhuma faísca
voou. Nenhum trovão ressoou. Mas eu ainda não podia escapar da sensação de que
tínhamos aberto uma porta, nos encontrando assim – uma porta que podemos não
ser capazes de fechar.
— Com você também, Percy.
Ele se levantou para sair.
— Só mais uma coisa — disse ele. — Se
este alguém, que nos juntou... se ele é um inimigo em comum... o que faremos se precisarmos um do outro para lutar contra ele?
Como entro em contato com você?
Eu considerei isso. Então tomei uma
decisão precipitada.
— Posso escrever algo em sua mão?
Ele franziu a testa.
— Como o número do seu telefone?
— Uh... Bem, não exatamente.
Peguei minha caneta e um frasco de
tinta mágica. Percy estendeu a palma da mão. Eu desenhei um hieróglifo lá – o
Olho de Hórus. Assim que o símbolo estava completo, queimou em azul, depois
desapareceu.
— Apenas diga meu nome — eu disse a
ele — e eu vou ouvi-lo. Eu vou saber onde você está, e vou encontrá-lo. Mas só
vai funcionar uma vez, então tome cuidado.
Percy considerou a palma da mão
vazia.
— Estou confiando em você que isso
não é algum tipo de dispositivo de rastreamento mágico.
— Sim. E eu estou confiante de que
quando você me chamar, não estará me atraindo para algum tipo de emboscada.
Ele olhou para mim. Aqueles olhos
verdes tempestuosos eram realmente um pouco assustadores. Então, ele sorriu, e
ele parecia um adolescente normal, sem nenhuma preocupação no mundo.
— É justo — falou. — Até a próxima,
C...
— Não diga o meu nome!
— Só brincando — ele apontou para mim
e piscou. — Continue um estranho, meu amigo.
Então ele se foi.
Uma hora depois, eu estava de volta a
bordo do meu barco no ar com o bebê crocodilo e o colar mágico com Freak voando
para casa do Brooklyn. Agora, olhando para trás, a coisa toda com Percy parece
tão surreal. Mal posso acreditar que realmente aconteceu.
Eu me pergunto como Percy convocou aquele
redemoinho, e o que diabos é Bronze Celestial. Acima de tudo, uma palavra continua
rolando na minha mente: semideus.
Tenho a sensação de que eu poderia
encontrar algumas respostas se eu procurar o suficiente, mas estou com medo do
que eu possa descobrir.
Por enquanto, acho que só vou dizer à
Sadie sobre isso e ninguém mais. Primeiro ela vai pensar que eu estou
brincando. E, claro, ela vai me atormentar, mas ela também sabe quando eu estou
dizendo a verdade. Chata como ela é, eu confio nela (embora eu nunca dissesse
isso diretamente). Talvez ela tenha algumas ideias sobre o que devemos fazer.
Quem quer que juntou Percy e eu, quem
orquestrou nosso encontro... Tem cheiro de Caos. Eu não posso deixar de pensar
que esta era uma experiência para ver que tipo de estrago nós faríamos.
Potássio e água. Matéria e antimatéria.
Felizmente, as coisas correram bem. O
colar petsuchos está seguramente trancado. Nosso novo crocodilo bebê está mergulhando
feliz na nossa piscina. Mas da próxima vez... bem, eu tenho medo que não
tenhamos tanta sorte.
Em algum lugar há um garoto chamado
Percy com um hieróglifo secreto em sua mão. E eu tenho a sensação de que, mais
cedo ou mais tarde eu vou acordar no meio da noite e ouvir uma palavra, falada
urgentemente em minha mente: Carter.
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